Conto de mim.
Vivia fora da sua cidade Natal e gostava. No entanto, nunca tivera um namorado na cidade onde morava. Não é que não tivesse namorado. Tinha. Mas estavam sempre separados por largas centenas de quilometros. Estavam juntos todos os fins-de-semana ou quase. Falavam todos os dias, sentiam saudades. Mas funcionava, para ela. Nunca permitiu que ninguém daquela cidade se aproximasse. Não nesses termos, pelo menos. E isto tinha uma razão de ser forte que ela percebera anos mais tarde. Sozinha naquela cidade nova que era a sua casa mantivera a sua postura de criança-crescida e independente. Teve que sê-lo sempre. Não conhecia outra forma de estar na vida, nunca pudera contar com ninguém. Ter um namorado ali seria aceitar uma muleta - não no mau sentido, mas ela não estava preparada para isso. Estava habituada a ser ela contra o mundo, a nunca baixar os braços. Se isso mudasse... se corresse mal... aquela cidade já não seria só dela, porque dias houve em que a partilhou com alguém. Em que teve alguém que se preocupou com ela, que se riu com ela, que a apoiou, que a abraçou, com quem pôde, finalmente, baixar os braços e cair, pois haviam outros braços para a segurar. Sabia que tudo mudaria no dia que se permitisse amar ali.
Mas o mundo dá voltas e não há cá "desta água não beberei". Para ser franca, ela sabia que, eventualmente, sem nunca ter pensado nisso com muita seriedade, encontraria alguém ali. Já trabalhava, não fazia conta de voltar para a terra Natal. O mundo estava um caos de problemas económicos e o trabalho era escasso. Ali, onde se encontrava, haveria mais oportunidades e a possibilidade de continuar a sua formação académica. Tinha a cabeça no sítio e os objectivos muito claros. Não queria sair dali. Mas ia querer uma relação estável. Ia querer um namorado que lhe desse valor. Uma família. E se queria ficar ali, era possível que tivesse que abrir uma excepção.
Quando aconteceu, porque era inevitável, estava relutante. Mas tudo aquilo era tão... maravilhoso, que qualquer relutância era afastada ao vislumbre do sorriso, dos olhos brilhantes e rasgados, do abraço tão perfeito que parecia feito à medida. Foi vivendo assim... feliz, deixando-se cair, como naqueles exercícios de confiança que se fazem, e os braços dele apanharam-na sempre.
Até que um dia o vento mudou e trouxe nuvens cinzentas. Começou uma tempestade sem fim e ele partiu. E ela vira-se sem muleta, sem bengala, sem puder baixar os braços e a já não saber viver assim. De repente, o mundo virou e ele não estava lá mais. De um dia para o outro, ela teve que reaprender a enfrentar a cidade deles sozinha, e já não a conhecia. Já não sabia os atalhos, já não conhecia os cafés. Teve de abrir os olhos, tristes, levantar a alma negra e seguir em frente, mas já não sabia onde era o norte.
De um dia para o outro, o mundo dela, parou. Deu um dia para o outro não havia mais tu e eu, e apenas eu, sozinha, a reaprender um mundo que já não é meu.